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Por uma reflexão sobre o futuro da Saúde em Coimbra e na Região Centro e pela defesa dos Covões


Texto apresentado pelo Somos Coimbra na Assembleia Municipal de 29 de junho de 2020 em defesa do Hospital dos Covões


Coimbra tem uma longa e rica história na prestação de cuidados de saúde desde os tempos da fundação da nacionalidade.


Foram muitos e das mais diversas dimensões e tipologias os Hospitais de Coimbra. Desde o Hospitale Pauperum de Santa Cruz (dos tempos de D. Afonso Henriques), o Hospital de São Lázaro (a Gafaria de Coimbra, do século XIII), o Hospital de Santa Elisabete (fundado pela Rainha Santa em 1328), o Hospital Real de D. Manuel (terminado em 1508), o Novo Hospital Real (que funcionou como Hospital Militar no século XVIII, durante a Guerra dos Sete Anos), o Hospital dos Abandonados (que terminou a sua missão em 1911, onde hoje está a Escola Jaime Cortesão), o velhinho e tristemente abandonado Hospital Pediátrico (que, em 1977, ocupou o espaço do hospital-sanatório para mulheres e crianças), até às instituições hospitalares actuais, Coimbra teve sempre uma enorme responsabilidade na área da saúde e as suas instituições foram sendo objecto da natural transformação e evolução que este sector viveu ao longo dos tempos.


Hoje em dia, um dos nossos hospitais mais emblemáticos é sem dúvida o Hospital-Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil, que, embora tivesse sido construído com o objectivo de assistir os órfãos da 1ª Grande Guerra, uma vez que apenas ficou concluído em 1930, veio a ter desde o início um destino diferente. Em 1935, pelas mãos de Bissaya Barreto, foi transformado num hospital para doentes tuberculosos do sexo masculino, com capacidade para 400 doentes. Já na década de 70 foi renovado e passou a Hospital-Geral da Colónia Portuguesa do Brasil, pelo DL 308/70, e foi assim reinaugurado a 27 de Abril de 1973, tendo rapidamente atingido grande prestígio e reconhecimento e sendo por todos conhecido como Hospital dos Covões.


Com o Hospital dos Covões em plena maturidade e já a necessitar de manutenção e investimento, foram entretanto construídos o novo Hospital da Universidade de Coimbra, o Hospital de Leiria, o Hospital Central Polivalente de Viseu, o Hospital Universitário da Covilhã (potencializando-se as sinergias locais com o Centro Hospitalar da Cova da Beira).


Nestes hospitais foram criados excelentes serviços de especialidades que até aí só existiam em Coimbra, onde de resto trabalham muitos profissionais de saúde formados em Coimbra, pelo que muitos doentes passaram a ser assistidos mais perto das suas residências, sem necessidade de serem deslocalizados para Coimbra.


É esta sem dúvida a tendência na gestão da Saúde em todo o País. Para além do aumento do número de instituições hospitalares, a medicina sofreu muitas outras mudanças radicais - hoje, por exemplo, grande número de cirurgias são realizadas em ambulatório. Todas estas mudanças e a cada vez maior diferenciação e multidisciplinaridade da medicina dão origem – elas mesmas – a uma reorganização dos equipamentos hospitalares.


É inevitável. E por isso, se quisermos defender seriamente os utentes e os profissionais do Hospital dos Covões – como nós queremos – devemos fazê-lo com a consciência de que a realidade mudou.


Todavia - sejamos claros - o problema do Hospital dos Covões não decorre apenas das alterações vividas pela área da Saúde. E nem valerá a pena empurrar a culpa para um conveniente bode expiatório, só para que a dita não morra solteira.


O problema do Hospital dos Covões é essencialmente o inevitável reflexo da imagem do empobrecimento político, económico, social e demográfico de Coimbra. A Coimbra do presente não tem o esplendor do passado. As cidades mais próximas de Coimbra cresceram e Coimbra minguou. Coimbra é hoje o 19.º concelho do país em população residente e o 65.º concelho na produção de bens para exportação, incluindo o turismo, atrás de concelhos como Beja, Pombal, Lousada, Esposende, Covilhã, etc... E, por isso, actualmente Coimbra não tem influência política e nem poder reivindicativo e deste triste facto a responsabilidade é em absoluto de quem tem governado a cidade, cabendo ao Partido Socialista a fatia maior da responsabilidade no definhamento do concelho, o que obviamente se reflecte negativamente nas suas estruturas e instituições. E são muitas aquelas que Coimbra tem perdido e continuará a perder se nada fizermos para mudar este triste panorama.


O poder central contribui muito para o definhamento da saúde em Coimbra, nomeadamente para o esvaziamento do Hospital dos Covões. De facto, é de um Governo socialista de muito má memória para o País o Decreto-Lei n.º 30/2011, de 2 de Março, responsável pela fusão dos dois Hospitais Gerais de Coimbra, e é de uma cadeia de poder maioritariamente socialista a sua execução, uma vez que as várias estruturas locais e regionais têm sido dirigidas por conhecidos socialistas.


E, por isso, não podemos deixar de manifestar a nossa enorme estranheza pelas actuais declarações das estruturas locais daquele Partido. De resto, a actual Ministra da Saúde foi cabeça de lista por Coimbra nas últimas eleições legislativas e – que se saiba – o PS local não lhe exigiu compromisso especial com o Hospital dos Covões. No entanto, se assim não tiver sido, e se, ao contrário do que pareceu, o PS local tiver da parte da Ministra da Tutela tal garantia, então, bastará com certeza que torne tal garantia conhecida dos conimbricenses e que à Ministra da Saúde lembre publicamente aquele seu putativo compromisso. Lamentavelmente para os utentes e os profissionais dos Covões assim não será e a Moção que hoje nos é proposta mais não será do que a expressão de uma guerra interna cujo desfecho influenciará a distribuição dos próximos lugares de nomeação política.


O Somos Coimbra dispensa tais quezílias e está focado no futuro de Coimbra. É, para nós cada vez mais evidente que Coimbra precisa de uma estratégia de futuro que vá além da básica gestão corrente.


Coimbra precisa de se renovar para poder crescer ou continuará a perder. O Hospital dos Covões é o exemplo maior do declínio de Coimbra e não se resolve com uma guerra fraticida entre as duas margens.


Precisamos, pois, de nos unir por Coimbra, como um todo.


Coimbra precisa de recriar e reinventar o Hospital dos Covões e a Saúde em Coimbra, sob pena de perdermos tanto os Covões como os HUC, sob pena de nos apequenarmos cada vez mais e nos tornarmos numa cidadezinha, com muita história e valoroso passado, com cada vez menos futuro.


O desafio que Coimbra hoje enfrenta é o desafio da sobrevivência e da relevância.


Não basta, pois, gritar que não deixaremos que destruam os Covões, que queremos os Covões como há 50 anos atrás, não basta organizar manifestações com algumas centenas de pessoas e apelar aos mais demagogos populismos.


Se queremos ir além das fronteiras de Coimbra, precisamos de uma estratégia, de ideias inovadoras, de propostas concretas que despertem o interesses nacional e garantam o futuro da Saúde em Coimbra. Deve, pois, ser esse o sentido da moção por nós hoje aqui aprovada.


Nessa senda propomos que, em acrescento à Moção apresentada pelo Grupo Político do PSD, sabendo todos que Portugal é o terceiro país mais velho da Europa e Coimbra a quinta capital de Distrito mais velha de Portugal e que não temos respostas adequadas para este escalão etário, deliberemos pela consideração de uma definição de uma linha estratégica para o Hospital dos Covões, na área da geriatria e gerontologia.


Como paradigma desta proposta poderemos considerar o Gérontopôle de Toulouse que, em 2017, foi designado pela OMS como centro colaborador para a fragilidade, pesquisa clínica e treino em geriatria. Aquela Unidade/Hospital, com uma forte componente de formação, de investigação e de intervenção na comunidade, tem 200 camas de internamento e 17 hospitais de dia, com valências assistenciais que vão da medicina interna, à oncogeriatria, cardiogeriatria, urgência, cuidados paliativos, cuidados de longa duração, unidade de Alzheimer, memória, fragilidade, unidade cognitivo-comportamental, etc...


Para além das outras valências médico-cirúrgicas que os Covões já têm e devem manter, nomeadamente o sector do ambulatório, a urgência médico-cirúrgica aberta 24h/dia e o seguimento do doente crónico, que enorme salto qualitativo seria, para a Geriatria e Gerontologia nacionais, a instalação de um Polo Geriátrico em Coimbra. E quanta relevância recuperaria o nosso concelho na área da Saúde.


Por tudo isto, votaremos contra a Moção (enganosamente apresentada como sendo uma Moção da CDHS, mas que nessa sede não foi votada e nem mereceu a aprovação do Somos Coimbra e nem do PSD e do CDS) e votaremos a favor da Moção apresentada pelo PSD.


Entendemos, no entanto, que é nosso dever irmos mais longe e, por isso, propomos que a Assembleia Municipal recomende à Câmara de Coimbra, ao CHUC, à ARS-C, ao Ministério da Saúde, ao Instituto Politécnico, à Escola de Enfermagem e à Universidade de Coimbra, que unam esforços e conjuguem competências para a definição de uma nova e urgente estratégia para o CHUC que inclua e distinga um propósito para o Hospital do Covões vocacionado para uma área de interesse nacional e, ainda, a construção emergente do novo serviço de obstetrícia e neonatalogia do CHUC e da Região Centro, que há tanto tarda, com sério prejuízo das mulheres, das crianças e das famílias.

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