top of page

José Manuel Silva: "Não se pode esquecer a mortalidade não COVID e a mortalidade social"


Intervenção do vereador José Manuel Silva Reunião na Reunião de Câmara de 11 de janeiro de 2021


À beira de um novo confinamento por causa da pandemia COVID-19, entendi que hoje deveria fazer uma intervenção também como médico e não apenas como vereador.


Sendo provocada por um novo coronavírus, o quinto em circulação pandémica e o oitavo a infetar humanos, já muito se conhecia sobre este grupo de vírus de origem animal, responsável também pela SARS-Cov1 e pela MERS, surtos graves mas autolimitados.


Uma questão preocupante e ainda não devidamente esclarecida da pandemia COVID-19 é a infection fatality ratio do SARS-Cov2, a mortalidade no universo dos doentes infetados.


Os valores iniciais são mais elevados, diminuindo à medida que se conhece a extensão dos infetados, como aconteceu com a gripe A. Segundo Peter Gøtzsche, numa carta publicada no British Medical Journal em dezembro de 2020, na Dinamarca, quando os dadores de sangue foram testados para anticorpos contra o coronavírus, a taxa de mortalidade para COVID-19 foi de apenas 0,16%, da mesma ordem de grandeza do que publicaram outros autores. O CDC estimou que o número de infetados nos EUA seria cerca de 10 vezes superior ao número de diagnosticados. Por conseguinte, o que está em causa no presente vírus não é propriamente uma elevada letalidade, mas sim a suscetibilidade da maioria da população e a facilidade de contágio, o que origina um grande número de infetados num curto espaço de tempo, alguns com quadros clínicos de maior gravidade e necessidade de internamento e ventilação assistida, e um mais elevado número de mortos.


De qualquer forma, devemos ter em mente que “uma proporção dos que morreram até agora com COVID-19 teria morrido este ano de outras causas” (BMJ, 2020, “Tackling covid-19: are the costs worth the benefits?”) e que “aplicar as regras da APHP (Perspetiva Agregada de Saúde da População) para avaliar as medidas radicais tomadas contra a COVID-19 levanta sérias questões. Pode ser necessário avaliar tais políticas de forma mais crítica ou rever os seus objetivos, ou ambos os casos.” (BMJ Global Health, 2020, “Population health, economics and ethics in the age of COVID-19”). Há muitas questões que não estão a ser devidamente avaliadas. Os custos globais da resposta à COVID-19 são provavelmente maiores do que a escala do esforço público total em todas as outras questões de saúde! Ora, não se pode esquecer a mortalidade não COVID e a mortalidade social. Todas as mortes são dolorosas e relevantes, independentemente da sua causa.


Relativamente aos números da pandemia nos últimos dias, em Portugal, eles não são de estranhar, pois são a consequência dos dois períodos de fim de semana prolongado das duas maiores festas familiares e de amigos do ano, o Natal e o Ano Novo. Mesmo assim, os números apenas duplicaram e estão em planalto decrescente, o que significa que os portugueses se comportaram com um razoável civismo. Também em Portugal, muitos dos que morrem com COVID-19 morreriam neste mesmo Inverno com gripe ou pneumonia.


Como o Natal e a passagem do ano não se repetem, os números da COVID-19, tal como estava a ocorrer em novembro e dezembro, voltarão a decair progressivamente sem a necessidade de medidas mais gravosas de confinamento do que aquelas que então vigoravam, corrigindo as medidas que obrigavam as pessoas a fazer filas compactas. O Rt voltará a diminuir sem confinamentos adicionais, que, sublinhe-se, não vão evitar a maior sobrecarga do SNS nos próximos cerca de 10 dias. É preciso balancear os problemas de saúde e as consequências económicas e sociais de cada medida e perceber que os doentes imunizados podem fazer a sua vida normal sem risco para ninguém.


Com a redução das pessoas infetáveis, considerando os naturalmente resistentes e os já curados da COVID-19, as medidas essenciais de prevenção, suficientes para a redução do Rt, são aquelas que já são conhecidas: uso de máscara, distanciamento físico, lavagem das mãos, boa ventilação dos locais, proteção dos mais frágeis, responsabilidade social e testagem sistemática. Junta-se agora a necessidade de acelerar a vacinação, sobretudo dos mais idosos. Olhemos o bom exemplo de Israel, que já vacinou 72% da população com mais de 60 anos, o que terá um impacto brutal na redução da mortalidade.


Porque estamos, então, a viver esta descompensação no SNS, apesar de não haver pandemia de gripe, e não obstante o enorme esforço, dedicação e sacrifício dos profissionais de saúde e do investimento adicional de emergência, embora limitado?


Convém recordar que o caos nos hospitais não é de hoje, acontece todos os Invernos com as pandemias de gripe e tem culpados no atual e em anteriores governos, que tanto mal têm feito ao SNS, nele desinvestindo para acorrer a “outras prioridades”. Já em 2007 escrevi um artigo sobre as urgências dos HUC intitulado “É impossível trabalhar assim”.


A COVID-19 assola os sistemas de saúde de toda a Europa, é verdade, mas com diferente dimensão. No início da pandemia Portugal tinha apenas 6,4 camas de medicina intensiva por 100.000 habitantes, contra uma média europeia de 11,5 camas, e apenas 3,5 camas hospitalares por 1.000 habitantes, contra uma média europeia de 5,0.


De repente até parece que a culpa do que se passa é apenas do afluxo de doentes COVID. Não, o SNS está em ruptura devido à acção deliberada de sucessivos governos, incluindo o actual. Não sabemos bem o que se passa em Coimbra com o esvaziamento do Hospital dos Covões, a não construção da nova maternidade e a falta de investimento nos HUC?


Comentadores do regime afirmam não ser possível contratar mais enfermeiros e médicos. Recordo os milhares que emigraram por falta de contratação e de perspectivas no SNS.


Faltam camas para doentes COVID? Propomos que reabram o Hospital Militar de Coimbra, onde podem instalar-se centenas de camas. Equipem-nas e contratem recursos humanos.


E não deixem encerrar parcialmente mais nenhuma extensão de Saúde, como aconteceu em Souselas (Coimbra), por falta de um administrativo. Já é tremendamente difícil os doentes contactarem os Cuidados de Saúde Primários! Há falta de administrativos para contratar, ou é mesmo incompetência da ARS? Teve de ser a Junta de Souselas a resolver o problema, confirmando a importância de mais descentralização para as freguesias.


Tudo isto é complexo e não cabe em 5 minutos, mas, com base em bibliografia científica publicada e não em meras opiniões pessoais, estou pronto para qualquer debate, com qualquer pessoa, sobre a pandemia COVID-19, os muitos erros cometidos, o problema dos transportes públicos, as mensagens erradas, as decisões tomadas e não tomadas, as insuficiências, a desorganização, os enviesamentos de análise. Um dia, todas estas contas serão feitas e os resultados não serão brilhantes... O pânico nunca é bom conselheiro.


Estamos a caminho de nos tornarmos o país mais pobre da Europa, com um disparo brutal da dívida pública. Bom senso, equilíbrio e racionalidade precisam-se.

bottom of page